quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

20 de Novembro Dia da Consciência Negra.

Separados Mas Iguais, É Preciso Sentir na Pele.
                                                                                                                                               Elenice Semini
20 de Novembro representa o resgate de parte significativa da história do Brasil, a luta de africanos e afros descendentes. É a possibilidade de juntos e com consciência buscarmos soluções para desconstruir o racismo, que resulta no desrespeito aos direitos humanos. É a contínua luta heróica do movimento social negro por igualdade, justiça, liberdade e respeito à diversidade.
O Brasil é uma das Nações que foi profundamente influenciada pela escravidão negra. Exceto os Estados Unidos, nenhuma república americana possui tão grande população afra descendente. O Brasil foi construído com sangue, suor e lágrimas do povo negro, o braço negro foi o elemento que moldou a civilização brasileira. São 350 anos de trabalho escravo, desumanizador.
“Ele trabalhou a cultura da cana de açúcar e do café, extraiu os metais das minas. Mas em quatro séculos de um labor contínuo, até a época da abolição da escravatura, quantos sofrimentos, quantos vexames, que história longa e dolorosa a do escravo negro, no Brasil, como em outras partes do Mundo!”
Desde a sua captura, no Continente Negro, começou o seu martírio. Não é aqui o lugar de se narrar com pormenores a atuação do europeu, de parceria com os mercadores árabes, promovendo o cerco e a captura dos desprevenidos africanos. Conduzidos à presença do Soba, eram os africanos remetidos aos compradores a troco de ninharias: tabaco, aguardente, miçangas, espingardas velhas, facas e até búzios do sul da Bahia, no tráfico brasileiro.
A viagem nos navios negreiros era uma epopéia. Na maior parte das vezes, os negros vinham algemados, muitos deles presos dois a dois pelo pescoço, numa dupla canga de madeira. Ao entrarem no navio, eram marcados a ferro em brasa, nas costas, no peito ou nos braços, com o sinal convencionado.
Quando não eram conduzidos algemados ou presos pelo pescoço, ou ainda acorrentados, eram atirados no porão do navio negreiro; numa confusão infernal de corpos literalmente apinhados. A travessia da Costa da Guiné a Pernambuco levava de treze a vinte dias. Cada navio transportava uma média de trezentos escravos, citando-se que alguns, porém carregavam quatrocentos e seiscentas “peças”.
Imagine-se o sofrimento de uma massa humana de centenas de indivíduos, arrumados indistintamente num porão infecto, quase sem movimentos, com alimentação reduzidíssima... Atestam as testemunhas da época que os escravos eram servidos por um só homem, que lhes servia a ração de comida e bebida, uma só vez pro dia, e à vezes menos.
Daí a mortalidade excessiva dos pobres negros. E os navios, por isso mesmo, chamados de tumbeiros, perdiam quase sempre de 50% a 70% da sua carga. Dizimavam-na as doenças de carência, como o escorbuto, a caquexia, as doenças infecciosas, o suicídio...
No Brasil, os navios negreiros despejavam a sua carga na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão, no Rio de Janeiro, onde foram criados grandes mercados de escravos os Vallongos. Os escravos desembarcavam nus ou quase nus, apenas envolvidos em tangas de pano grosseiro de algodão.
Eram marcados a ferro, trabalhavam de antes do por do sol até a noite vigiados por capitães do mato, alguns fazendeiros adotavam as novenas e trezenas, que eram castigos que se repetiam nove ou treze noites. Por vezes eram chicoteados no Pelourinho, enforcados. Instrumentos de suplício foram utilizados como tronco de madeira ou de ferro, instrumento que imobilizava o escravo pelos tornozelos, e onde ficavam dias a fio; o libambo, que o cingia pelo pescoço; as algemas e os anjinhos, que lhe prendiam as mãos ou comprimiam os dedos polegares; os cepos e machos que lhe tolhiam os movimentos dos pés; as máscaras para o rosto, bola de ferro nos pés, castigo dos meninos que por fome comiam terra; e as gargalheiras, as correntes, as peias... estupros, prostituição para ganho de escravocratas.
Subalimentado, maltratado, castigado, o Negro teve diminuída sua resistência física. A doença e a morte coroaram muitas vezes a obra sinistra. A reação pelo suicídio, pela fuga, auto defesa, foi conseqüência dos maus tratos. Banzo é um estado psicológico especial que acometeu o Negro, doença causada pela tristeza, nostalgia era um suicídio lento. Eram comuns os suicídios. Muitas vezes o capitão do mato ia encontrar o Negro fugido dependurado numa corda, enforcado num galho de árvore, em plena selva.
As deformações físicas, as mutilações de corpo, as cicatrizes... apareciam ainda como conseqüência dos maus tratos... do excesso de trabalho, das condições deficitárias de higiene, enfim marcas de surras, cicatrizes no dorso, nas nádegas, no pescoço, queimaduras, deformações profissionais etc. como conseqüência de trabalho excessivo realizado em condições desfavoráveis de meio: alimentação, má higiene, castigos, opressão.
Na situação de escravização e com todas essas condições desfavoráveis, não seria criada a economia brasileira, não seria escrita a história da civilização brasileira, sem o concurso do trabalho do Negro, lavrando o solo, explorando as minas, desbravando as terras virgens do Novo Mundo”.
A escravização de africanos e negros brasileiros teve início em 1530, a abolição ocorreu em 1888, constituindo-se num “abandono” de mão de obra negra em massa.
A abolição não integrou o negro como cidadão de direitos: sem acesso a terra, escola, moradia, emprego, sem políticas públicas de promoção e desenvolvimento, surge o subemprego, a negativa de cidadania a discriminação, a marginalidade e a miséria.
Surgem os morros, palafitas, habitações precárias, quilombos isolados mantiveram-se nesta situação como forma de proteção.
“O preconceito que tisna os brasileiros de origem africana não é neles marcado apenas fisicamente, como se fazia outrora em com ferro em brasa. Ele aparece registrado como uma degradação social permanente em todos os levantamentos estatísticos. Que as nossas classes dominantes tenham enfim, a mínima hombridade de reconhecer que esse colossal passivo de nossa herança histórica, ainda nem começou” Fábio Konder Comparato. Jurista, diretor Escola de Governo SP
Após 122 anos da abolição da escravatura, o Brasil é um dos 10 (dez) países mais desiguais do mundo, atestado por relatório do Programa de Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas. Também a 8ª economia mundial, um país em desenvolvimento e, um dos grandes líderes da América Latina. O índice Gini – medição do grau de desigualdade a partir da renda per capita – para o Brasil ficou em torno de 0,56, quanto mais próximo de um, maior a desigualdade.
Esta desigualdade é a estrutura do racismo, que impede a mobilidade social, provocando aparteamento que mantém a população negra na situação perversa de discriminação racial, espacial, política, econômica, social e cultural.
Analisando as denúncias do pós abolição, a partir da década na década de 30, desde a Frente Negra Brasileira (a maior organização política/social e cultural de negros, no Brasil), e a incansável, contínua e heróica ação de Militantes do Movimento Social Negro; que sentindo na pele os efeitos do racismo; as denuncias são idênticas – se prolongam no tempo e no espaço. São séculos de desprezo e humilhações, provocando dor, sofrimentos a várias gerações.
Como combater a origem da miséria, pobreza, exclusão, não acesso a serviços básicos de cidadania - educação saúde, moradia, saneamento, trabalho, previdência social, proteção a maternidade e a infância, lazer, segurança, justiça – situação de desvantagem apontada no resultado de estatísticas oficiais do IPEA - Instituto de Pesquisas Aplicadas, ligada ao Ministério do Planejamento, IBGE, UNICEF, ONU, como mantenedora de profundas desigualdades entre negros e brancos.
Para a PNUD /Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento: A Idéia de Racismo Institucional é: “Fracasso coletivo de uma organização seja ela pública ou privada em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas em razão de sua cor, cultura ou origem étnica”
Como se Manifesta: ”O racismo institucional pode ser visto ou detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção ou de estereótipos racistas que colocam minorias étnicas em desvantagem.”
Conseqüências: “O racismo institucional determina a inércia das instituições e organizações frente às evidências das desigualdades raciais” "PNUD Unidade de Avaliação e Desenvolvimento Local.”

A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de Novembro no calendário escolar, data em que comemoramos o Dia da Consciência Negra. A Lei torna obrigatório o ensino sobre a História e Cultura Afro Brasileira. Com isso professores devem inserir em seus programas aulas obre os seguintes temas: História da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.
“...Quilombo de Palmares durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é ai que vão respeitar uns aos outros. A história da escravidão é uma história de violência. Quando se fala de contribuições, nunca se fala da África.” Kabengele Munanga, antropólogo, professor da USP
20 de Novembro de 1695, Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, foi morto em uma emboscada na Serra Dois Irmãos, em Pernambuco após defender a liberdade de seu povo e, liderar por décadas a resistência ao escravismo e opressão, dos governantes da época e da Coroa Portuguesa.
A professora Maria Victoria Benevides, socióloga, diretora Escola de Governo SP, em sua tese “Educação para a Democracia” (disponível na Internet) apresentado numa conferência proferida no âmbito do concurso para Professor Titular em Sociologia da Educação na FEUS, 1996.
“Democracia é o regime político fundado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos. Esta breve definição tem a vantagem de agregar democracia política e democracia social. Em outros termos reúne os pilares da “democracia dos antigos” – tão bem explicitada por Benjamin Constant e Hanna Arendt, como a liberdade para participação na vida pública aos valores do liberalismo e da democracia moderna, quais sejam as liberdades civis, a igualdade e a solidariedade, a alternância e a transparência no poder (contra os arcana império de que fala Bobbio), o respeito à diversidade e a tolerância. Educação é aqui entendida, basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o processo educacional em si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.” 
O conhecimento da história do povo negro e sua contribuição à Nação está na possibilidade de um novo olhar, que trará o reconhecimento, a compreensão necessária, revelará nomes, lembranças e irá mostrar a face das vítimas, que deixarão de ser números, mas a mudança de costumes, a mentalidade forjada em 400 anos de escravidão, faz-se necessária com educação aliada ao conhecimento visual, auditivo, sensorial para despertar consciências.
O Brasil dará um grande passo para a modernidade nas relações raciais e sociais, adotando políticas públicas que garantam participação e desenvolvimento da população negra, e de outros povos historicamente e secularmente discriminados. É necessária e urgente a adoção de programas educacionais que assegurem a mobilidade social, equidade, emancipação e cidadania. Herança Negra: A construção do Memorial da Escravidão, que pode representar um processo importante na formação educacional do povo, principalmente das futuras gerações, que não podem receber a herança do racismo, do “separados, mas iguais”.
Um museu que restaure o passado e, construa o futuro com educação, tolerância, solidariedade, respeito aos valores da diversidade, respeito à história dos povos, com maior integração, justiça e igualdade. Expor, denunciar de maneira educativa possibilita que sociedades humanas reconheçam erros do passado, é uma excelente oportunidade de rever valores, conceitos e amar o próximo, partilhar valores.
 Museu do Apartheid de Joannesburgo, África do Sul: Na entrada: “Visite-nos e entenda como toda forma de iniqüidade racial leva inevitavelmente à destruição”
O guia, cidadão negro sul africano sugere “Troque de cor hoje”. E se você for branco, receberá um ingresso para a entrada dos negros, a entrada é dividida entre branco e não branco passa por caminhos diferentes até chegar ao Museu. Os brancos sentem o que é o racismo na pele, como vivem os negros, a sensação de humilhação, desprezo e o desrespeito a dignidade humana. Há um acervo interminável sobre a cronologia do regime de segregação que vigorou de 1948 a 1994. Vídeos, fotos e objetos direcionam o visitante para uma realidade sombria, na qual viveram os negros por décadas. Museu é um espaço para despertar os sentidos do visitante. Para ver a humilhação e os abusos sentidos pelos negros. Para ouvir os discursos de heróis famosos ou anônimos. Nos anos 1980, carros eram usados em bairros de negros para combater greves, protestos ou qualquer tipo de manifestação. E os que fossem presos, eram obrigados a irem deitados no chão de aço, não sentados nas cadeiras, como policiais. Eles ficavam sob os pés dos policiais até chegarem ao presídio ou destino final.    
É um Museu para sentir. Não só revolta, vergonha ou indignação, mas também esperança. Sam deixa o local repetindo o gesto que todos fazem ao sair do museu: coloca uma pedra debaixo da nova bandeira sul africana. Cada pedra um visitante. Esse gesto representa uma homenagem às muitas pessoas que dedicaram suas vidas ao fim do apartheid. A nova bandeira Sul africana passou a ser usada depois da eleição de Nelson Mandela em 1994. Uma das explicações para o símbolo da bandeira um Y deitado é negros e brancos caminhando juntos agora em direção a uma conciliação.
Museu Internacional da Escravidão: Em 23 de agosto de 2007, nos 200 anos do Ato Pela Abolição do Comércio de Escravos, foi inaugurado em Liverpool na Inglaterra, o Museu Internacional da Escravidão, que expõe os fundamentos econômicos da escravidão, ajudam a entender a história, retrata o comércio transatlântico de escravos que vigorou do séc.XVI ao XIX. 
“Vida na África Ocidental”, história dessa parte do continente africano e de seus habitantes, principais vítimas do tráfico transatlântico; “Passagem Medina”, propõe a reflexão sobre violência, torturas e traumas sofridos nas viagens de travessia entre África e América; e “Legados da escravidão”, que revela o significado da discriminação enfrentada pelos afrodescendentes após a abolição da escravidão” e conseqüências da exploração/escravização para as diferentes partes envolvidas.
Museu da Escravatura de Angola: Criado com o objetivo de informar sobre a gênese da essência da história da escravatura em Angola. A sede do Museu situa-se-se no interior de uma capela do séc. XVII, denominada “A Capela da Casa Grande”, localizada no Morro da Cruz. A Capela era o lugar onde se realizavam batismos antes do embarque nos navios negreiros que os levavam às colônias.
Dia da Consciência Negra homenageia o grande líder Zumbi dos Palmares, que lutou e morreu pelo ideal de liberdade para seu povo. É a reverência justa à memória de milhões de vítimas da escravidão. Representa a esperança de um novo tempo com justiça, igualdade e solidariedade. Somos diferentes, temos histórias diferentes, mas devemos caminhar juntos no combate as injustiças humanas, reafirmar o valor da ética como essência da humanidade, somar esforços para fortalecimento da democracia.
Fontes: O negro na Civilização Brasileira, Artur Ramos
              Jornal do Brasil, Por Dentro da África do Sul, Natália Luz

Museu da Escravidão em Liverpool:

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