segunda-feira, 13 de maio de 2013

Luiz Gama Herói do Povo Brasileiro

Fábio Konder Comparato

ELE HERDOU da mãe o caráter indômito e apaixonado. Luiza Mahin, africana livre da nação nagô, oriunda da Costa da Mina, tomou parte ativa nas insurreições baianas de 1835 e 1837 e acabou sendo deportada, não se sabe se para o Rio de Janeiro ou se definitivamente para a África. 

Quanto ao pai, de uma família ilustre da Bahia, arruinou-se no jogo e acabou vendendo o filho como escravo em 1840, quando contava dez anos de idade. Luiz Gama teve a suprema dignidade de jamais revelar o nome do seu indigno progenitor. 

Embarcado para o Rio de Janeiro com dezenas de outros escravos, o menino foi vendido a um traficante paulista. Subiu a pé de Santos até Campinas, onde foi refugado por um fazendeiro por vir da Bahia, província de má fama à época por ser o teatro de sucessivas rebeliões de escravos. 
Alfabetizado por um jovem amigo aos 17 anos, Luiz Gama apaixonou-se de imediato pelos livros, paixão que o acompanhou até a morte. 

                               

                       Luiz Gama, Advogado (Rábula) escritor, poeta, jornalista, abolicionista

Aos 18, fugiu do cativeiro doméstico em São Paulo para sentar praça na Marinha de Guerra. Seis anos depois, já cabo-de-esquadra, insurgiu-se contra um oficial insolente que o insultou, foi preso e compareceu perante o Conselho de Guerra, que o excluiu dos quadros daquela força. 

Retornou a São Paulo, onde passou a trabalhar no escritório de um escrivão e depois na Secretaria de Governo da Província. Nessa ocasião, veio-lhe a inspiração de estudar direito para defender em juízo a vida e a liberdade da imensa população de negros escravos. Repelido pelos estudantes em sua tentativa de matricular-se na já famosa faculdade de direito, tomou a opção definitiva de atuar como rábula até o fim da vida, em 1882. 

A grande questão jurídica que Luiz Gama levantou, na imprensa e nos tribunais, foi a vigência da lei de 7 de novembro de 1831, a qual, em cumprimento a um tratado de repressão do tráfico negreiro celebrado por Portugal com a Inglaterra em 1818, declarara livres todos os africanos desembarcados no país após aquela data. 

Enquanto magistrados covardes, cedendo à pressão dos fazendeiros, se recusavam a aplicá-la, o governo multiplicava exigências burocráticas para a soltura dos negros criminosamente mantidos no cativeiro e a Assembléia Geral votava leis destinadas a esvaziar toda força normativa da lei, embora mantendo-a formalmente em vigor. 

Em suma, era a velha tática brasileira de cobrir a dominação oligárquica com as vestes ornamentais do "Estado de Direito". Para nós, desde a Independência, a Constituição, os tratados internacionais e as leis votadas no Parlamento sempre foram recebidas como as ordenações d'El Rei, nosso senhor durante o período colonial: respeitosamente acatadas, mas não cumpridas. 

Luiz Gama soube denunciar, com competência e indignação, essa impostura perversa. Sozinho -fato único em nossa história-, conseguiu libertar nos tribunais mais de 500 escravos. 
Ao mesmo tempo, procurou combater a instituição infame por meio da militância política. Mas aí sua decepção foi absoluta. Atuou sucessivamente no Partido Liberal e no Partido Republicano, retirando-se de ambos tão logo percebeu sua conivência efetiva, embora envergonhada, com o que se denominava à época, com fingido recato, "a questão servil".                      


Dessa amarga experiência partidária retirou a lição capital de que, sem um amplo movimento de revolta popular, o meio político saberia manter a escravidão até o extremo limite do seu esgotamento. 


No final da vida, Luiz Gama foi o grande inspirador do Movimento dos Caifazes, de Antonio Bento de Souza e Castro, que promoveu a fuga de milhares de escravos, desorganizando irreparavelmente a lavoura nos grandes domínios rurais de São Paulo. A lei de abolição da escravatura tornara-se inevitável. 


Como se percebe, a opção abolicionista de Luiz Gama foi bem diversa da via estritamente parlamentar, seguida por Joaquim Nabuco. A história veio demonstrar que o advogado negro acertara em cheio o alvo. 


Que isso nos sirva de exemplo para enfrentarmos o magno problema da atualidade, no Brasil e na América Latina, problema de solução incomparavelmente mais difícil e de caráter não menos escandaloso que a escravidão: como abolir o regime político fraudulento que encobre, sob o aparato republicano e democrático, a permanente usurpação da soberania popular.


FÁBIO KONDER COMPARATO , 70, advogado, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP. É autor, entre outras obras, de "Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno" (Companhia das Letras).. Artigo  publicado no jornal  Folha de S. Paulo. 





quarta-feira, 8 de maio de 2013

Joaquim Barbosa, presidente do STF aponta ausência de diversidade racial na mídia brasileira

O Presidente do STF Ministro Joaquim Barbosa foi o orador principal, em evento na Costa Rica, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
A mídia brasileira é afetada pela ausência de pluralismo. Joaquim Barbosa
Ressaltando que neste ponto falava como acadêmico, e não como presidente do STF, Barbosa avaliou que esta característica pode ser percebida especialmente pela ausência de negros nos meios de comunicação e pela pouca diversidade política e ideológica da mídia.
A apresentação do presidente do STF se deu em quatro partes voltadas a apresentar uma perspectiva multifacetada sobre liberdade de imprensa. Na abertura, reafirmou o compromisso da corte e do país com a liberdade de expressão e de imprensa, e ressaltou que uma imprensa livre, aberta e economicamente sólida é o melhor antídoto contra arbitrariedades. Barbosa lembrou a ausência de censura pública no Brasil desde a redemocratização em 1985.
Na segunda parte, o ministro apresentou como o tema é tratado na Constituição de 1988, que pela primeira vez reservou um capítulo específico para a comunicação. Segundo Barbosa, no sistema legal brasileiro nenhum direito fundamental deve ser tratado como absoluto, mas sempre interpretado em completa harmonia com outros direitos, como privacidade, imagem pessoal e, citando textualmente o texto constitucional, “o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Nesse sentido, ressaltou o ministro, o sistema legal brasileiro relaciona a liberdade de expressão com a responsabilidade legal correspondente. “A lei se aplica a todos e deve ser obedecida. A liberdade de imprensa não opera como uma folha em branco ou como um sinal verde para violar as regras da sociedade”, afirmou Barbosa.
Na terceira parte de seu discurso, Joaquim Barbosa apresentou dois casos em que o Supremo Tribunal Federal teve que lidar com a liberdade de expressão e de imprensa. No primeiro, lembrou a  análise que o STF teve de fazer sobre a publicação de obras racistas contra judeus por parte de Siegfried Ellwanger. Neste caso, a corte avaliou que a proteção dos direitos do povo judeu deveria prevalecer em relação ao direito de publicar casos discriminatórios. Em seguida, falou sobre a lei de imprensa, que foi derrubada pelo Supremo por ser considerada em desacordo com a Constituição e extremamente opressora aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa.
Antes de encerrar, porém, Barbosa fez questão de ressaltar que não estaria sendo sincero se não destacasse os problemas que via na mídia brasileira. Falando da ausência de diversidade racial, o ministro lembrou que embora pretos e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara sua presença nos estúdios de televisão e nas posições de poder e liderança na maioria das emissoras. “Eles raramente são chamados para expressar suas posições e sua expertise, e de forma geral são tratados de forma estereotipada”, afirmou o ministro.
Avaliando a ausência de diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento de direita”. Para ele, a ausência de pluralismo é uma ameaça ao direito das minorias. Barbosa finalizou suas observações sobre os problemas do sistema de comunicação destacando o problema da violência contra jornalistas. “Só neste ano foram assassinados quatro profissionais, todos eles trabalhando para pequenos veículos. Os casos de assassinatos são quase todos ligados a denúncias de corrupção ou de tráfico de drogas em âmbito local, e representam grave violação de direitos humanos”.
Em resposta a questionamentos do público, Barbosa lembrou um dos motivos da impunidade nos crimes contra a liberdade de imprensa é a disfuncionalidade do sistema judicial brasileira, que tem quatro níveis e “infinitas possibilidades de apelo”. Além disto, a justiça brasileira tem, na perspectivas de Barbosa, sistemas de proteção aos poderosos, que influenciam  diretamente os juízes. “A justiça condena pobres e pretos, gente sem conexão. As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu status, cor de pele ou poder econômico”, concluiu Barbosa.
 
 

Comissão Nacional da Verdade

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) servirá para indicar a autoria dos crimes da ditadura, ou seja, a fim de fazer a “futura investigação judicial para a responsabilização dos agentes do Estado” que atuaram durante a ditadura militar, disse hoje (29) o coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro. A intenção, segundo ele, é “derrubar a impunidade que ainda prevalece” no país.
“Em todas as comissões da Verdade, e que não tem nunca papel judicial, as investigações servem de horizonte sempre para a responsabilização dos perpetradores das graves violações de direitos humanos. Por isso o trabalho da comissão precisa ser consistente, denso e cuidadoso para que, no horizonte da responsabilização desses criminosos, o que nós encontrarmos e produzirmos possa servir para essa responsabilização”, declarou Pinheiro, em entrevista à imprensa.
A previsão inicial é o relatório final (que será divulgado por meio de um livro, em versão acessível e também multimídia) ser entregue no dia 16 de maio de 2014, mas a data poderá ser alterada caso os trabalhos da comissão sejam prorrogados. “Depois do relatório, se fará verdade sobre os crimes da ditadura, e se estará mais perto do que nunca para que a impunidade dos mandantes e autores desses crimes não mais prevaleça”, completou.
No próximo dia 13 de maio, em Brasília, a comissão vai divulgar, segundo o coordenador, um relatório parcial dos trabalhos, que Pinheiro chama de “balanço de prestação de contas”. No mesmo dia, a CNV deve divulgar um calendário de encontros que vão ocorrer com as sub-regionais do Pará, Recife, Rio de Janeiro, de São Paulo e Porto Alegre. E em setembro, os comitês regionais pretendem empreender uma marcha nacional até Brasília.
Fonte:Agência Brasil     
 
Autoridade com assento na ONU e coordenador da  Comissão Nacional da Verdade , o cientista político e professor da USP Paulo Sérgio Pinheiro, em entrevista exclusiva ao iG , se diz surpreso com os documentos e informações que revelam a participação dos presidentes militares nas ações que resultaram na tortura, extermínio e ocultação dos corpos de militantes de organizações armadas que enfrentaram a ditadura.
Fonte:IG