quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Pequena nota sobre a lógica da suspeição

Um documento oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo causou furor na internet ontem, 23 de janeiro de 2013. Trata-se de uma ordem de serviço expedida pelo Cap. da PM de Campinas, Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, o qual ordena que transeuntes negros e pardos no bairro Taquaral devem ser abordados prioritariamente. 

Acessei esta notícia no UOL e fiquei intrigado com a justificativa dada por um advogado criminalista sobre o conteúdo da mensagem. Em resumo, o advogado diz que a ordem policial se baseia em dados objetivos fornecidos pelos moradores do bairro Taquaral, que informaram o perfil dos assaltantes: homens negros, entre 18 e 25 anos. A polícia, então, expediu a ordem baseada em dados objetivos, visando deter as pessoas que, enquadradas no perfil dos criminosos, estejam circulando pelo bairro Taquaral. 
O que chama minha atenção é a superficialidade com que se atribui a qualidade de suspeito a alguém. A característica principal dos criminosos é a cor da pele: negra ou parda. É baseado nessas características que os policiais vão classificar as pessoas entre suspeitos e não suspeitos: negros e pardos - suspeitos - de um lado; brancos - não suspeitos - de outro.

A polícia utilizou a seguinte lógica: homens negros estão assaltando o bairro. Logo, todos os homens negros e pardos que circulem pelo bairro são suspeitos, portanto devem ser abordados prioritariamente. 

Fiquei pensando se as populações negra e índigena também podem fazer uso da mesma lógica policial. Todos nós sabemos que a expansão intercontinental foi praticada maciçamente por europeus. Italianos, portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, franceses etc. Todos eles elegeram a violência como instrumento de conquista, sendo desnecessário contabilizar quantos índigenas, africanos e asiáticos foram dizimados e escravizados durante o período mercantilista. Uma característica peculiar é comum a todos esses povos: a cor branca da pele daqueles homens. 

Sim, você está entendendo onde quero chegar. Por isso, pergunto: nós, negros ou índios, temos o direito de nos sentirmos ameaçados toda vez que um branco direcionar o olhar em nossa direção? "Vai que eles voltem a querer dizimar os negros e índios novamente..." - poderia eu pensar.

A minha suspeita é coerente. Homens brancos mataram milhões de negros e índios no Brasil. Logo, todo homem branco que se aproximar de mim é suspeito de querer me matar. Devo acionar o capitão da polícia militar da minha cidade e pedir que ele ordene aos seus homens que protejam a mim e todos os outros negros de homens brancos que circulam pelo meu bairro, todos suspeitos de querer a nossa morte coletiva? 

Baseei minhas alegações em fatos verídicos, largamente documentados e de conhecimento público. Tenho, acho, sérios motivos para crer que todo homem branco que se aproxime da minha casa tenha o desejo de me matar.  

Portanto, sinto-me no direito de fazer uma simples pergunta a todos: se você fosse o capitão da Polícia Militar responsável legalmente por proteger o meu bairro, você emitiria uma ordem oficial para que seus homens abordassem todo e qualquer homem branco que estivesse circulando no lugar que eu resido? 

Se você não emitiria essa ordem é porque você vê nela um conteúdo explicitamente racista e superficial. É assim que eu vejo a ordem oficial emitida pela polícia de Campinas. Ela é racista. E você tem o dever de observar isso.

Fonte:blçog Pedro Paulo

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