sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

"O Brasil é afetivo, encantador, violento e tenebroso"

Para Maria Rita Kehl, o importante é quem está se mobilizando tenha inteligência política suficiente para saber que pontos políticos pode mobilizar

por, Áurea Lopes (SP) (26.12.2011)

"É hora de fazer política"

Indignada com o descaso dos governos e a indiferença da população diante das mazelas sociais (“restos não resolvidos de 300 anos de escravidão”), Maria Rita fala sobre o engajamento dos jovens nas lutas populares (“ainda é pouco”), a violência policial (“resultado de uma ditadura que termina impune”) e afirma que os recursos para aplacar as dores do país estão na militância: “É hora de fazer política".

Brasil de Fato – Uma frase que do seu último livro que chamou muito a atenção e teve grande repercussão foi “O Brasil dói”. A pergunta inevitável é: quais as dores do Brasil que você considera mais preocupantes? 

Maria Rita Kehl – Bem, não que seja uma frase genial, ao contrário, acho até banal. Mas talvez tenha chamado tanto a atenção porque corresponda ao sentimento de muita gente. A dor que o Brasil sente eu já intuía, mas aprendi com o meu ex-companheiro, o historiador Luís Felipe Alencastro, que é um estudioso da escravidão no Brasil. Uma parte do que se chama de um difuso mal estar tem a ver com os restos não resolvidos politicamente de 300 anos de escravidão. Quer dizer, não há explicitamente uma política de segregação no Brasil, mas nunca houve uma abolição, de fato. A abolição se deu porque economicamente o sistema já estava falido.    

A escravidão acabou assim, com miséria, com os escravos chutados dos lugares, ganhando subsalários.

Mas não houve nada para proteger essas populações, que foram jogadas nas ruas, sem trabalho, sendo tratadas do mesmo jeito que antes porque a cor da pele não muda... e marcou durante décadas os escravos.

Demorou muito para o negro ser visto como um trabalhador livre, como qualquer outro. E mesmo hoje, acho importantes as políticas públicas feitas no governo Lula e no governo Dilma, mas embora não haja preconceito explícito, que agora é ilegal, há, sim, diferenças.

Outra coisa que dói, para pegar aquilo que me atinge, é a forma como a ditadura militar acabou. Igualzinho.

De repente acabou, porque estava inviável mesmo... e não tem reparação, não tem investigação, julgamento de quem torturou, de quem matou... crimes de Estado ficaram impunes. Hoje há um movimento mais importante para tentar fazer alguma coisa, com muito esforço, conseguiu- se uma tímida comissão da verdade. Mas a indiferença da população é enorme. E dói também o desamparo de uma parte da população, quando tem inundação, quando desaba um morro... e você vê o modo como a verba pública é desviada, os mistérios não cumprem suas funções.... é isso que dói.

Fonte: Entrevista completa no site Brasil de Fato  http://www.brasildefato.com.br/

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